segunda-feira, 9 de julho de 2012

PLANETA EXTREMO: CORREDORES ENCARAM MARATONA DE 246 KM NO DESERTO DO SAARA

Um acampamento que abriga homens e mulheres dispostos a sofrer.

É a maratona do Deserto do Saara, no Marrocos, uma competição planejada para exigir o máximo do ser humano.

Ao todo, 246 quilômetros de prova. Dunas gigantescas e um calor de 50ºC. Um ambiente agressivo, mágico e perigoso.

O Saara se apresenta. Hora da largada. São 881 atletas de 48 países. Clayton Conservani está no meio dessa multidão para o desafio mais difícil da vida dele.

Serão seis dias de prova. As três primeiras etapas têm distâncias entre 33 e 38 quilômetros. A competição segue com trechos de 81, 42 e 15 quilômetros. No total, 246 quilômetros.

O carioca Bernardo Fonseca é o parceiro de Clayton mais uma vez. Eles correram juntos na Antártica. Bernardo venceu a maratona e a ultramaratona e ajudou o repórter a chegar em sétimo lugar. "O sofrimento é passageiro, desistir é para sempre. Isso levo para o resto da minha vida em todos os meus desafios", conta.

Um desafio como este é também uma busca permanente por inspiração. Clayton vê a luta dos bombeiros franceses, que levam em uma cadeira de rodas adaptada quatro jovens com paralisia cerebral e dificuldades de locomoção. Eles têm entre 16 e 20 anos, e vão se revezar na cadeira ao longo da prova.

"É a primeira vez que a gente faz um percurso assim. São paisagens magníficas. É uma grande descoberta para pessoas como nós”, diz Victor.

Em menos de duas horas, os primeiros nocautes na areia. Alguns competidores perderam a batalha contra o deserto. O desgaste é inevitável. Clayton sofre com as minhas primeiras câimbras, mas consegue cruzar a sessão de dunas.

E são dez quilos nas costas. Os competidores são obrigados a levar na mochila tudo o que vão usar durante os seis dias de corrida. Comida, roupas e equipamentos de segurança. A única ajuda vem da organização: um litro e meio d'água a cada dez quilômetros.

É possível sentir prazer em um ambiente tão hostil? Didier Benguigui prova que sim. Ele tem uma doença genética que ataca a retina. Perdeu a visão gradualmente nos últimos 20 anos até ficar cego. Superou a depressão com a ajuda do esporte e de amigos como o guia Gilles Clain.

"É sempre uma nova descoberta, um prazer. Eu não vejo, mas eu sinto a paisagem”, completa Didier, de 61 anos.

Depois dos primeiros 33 quilômetros Clayton está em 204 na classificação geral entre quase 900 atletas. O desempenho animador tem um preço. Pressão baixa, câimbras, atendimento de emergência. Por pouco ele não se despede do deserto.

"Essa prova é para quem tem cabeça, sabe se cuidar. Não é só sair correndo disparado na frente" aconselha Bernardo.

As paisagens se renovam e as dificuldades aumentam. "Estou tão cansado que mal consigo andar em linha reta", revela Clayton.

E o que vem pela frente é aterrorizante. "Tem uma tempestade de areia logo ali na frente, bem no nosso caminho", diz o repórter.

A ventania chega sem avisar e atinge 100 km/h. Os competidores desaparecem na tempestade de areia.

É impossível prever o que vai acontecer. E a única escolha é encarar o vendaval. O plano de descansar desmorona. Uma nova tempestade de areia atinge o acampamento.

"Está ventando muito forte e por mais que a gente tente tapar os buracos da tenda, a areia invade e entra nos olhos, nos ouvidos. Vai ser difícil descansar essa noite”, diz Clayton.

Para piorar, o frio castiga. A temperatura, que chegou a 51ºC, cai para 5ºCquando eles vão dormir. Na noite que os atletas mais precisam descansar, a vitória é do Saara.

"Não dormi nada, tem areia pelo corpo todo. Os 81 quilômetros vão ser dramáticos", diz Bernardo.

Depois de três dias, 107 quilômetros de esforço, o estado físico de Clayton Conservani é crítico. Ele tenta proteger as costas machucadas pela mochila e principalmente os pés, cada vez piores. E eles ainda têm pela frente uma etapa de 81 quilômetros.

Na maratona do gelo, no pior momento do repórter, o apoio veio na lembrança da filha. Desta vez, quando ele mais precisava, uma surpresa: Gabi e a mulher, Carmem, gravaram um vídeo para ser exibido em um momento de fraqueza.

"Eu estou com os pés bem machucados, estou sofrendo bastante, então é um estímulo muito grande receber esse carinho, esse apoio, nesse momento. E eu tenho certeza que durante todos os 81quilômetros que eu terei pela frente hoje eu vou lembrar cada palavra de vocês. Eu também amo muito vocês, você estão no meu coraçao e vão estar comigo em cada metro aqui no deserto do Saara", diz Clayton.

A atmosfera é diferente de tudo o que eles sentiram até agora. Poucos enfrentaram uma distância tão longa. Logo de cara, uma subida duríssima, mas o que vem em seguida requer muito cuidado: é quase um abismo. "A descida é tão inclinada que eles colocaram uma corda pra ajudar", explica Clayton. Um descuido na rampa pode significar o fim da jornada.

A palavra perseverança ganha outra dimensão com a equipe dos bombeiros. Eles deixam para trás pedras e montanhas de areia. Em vez de exaustos, parecem mais fortes quando chegam ao topo.

Correr em uma temperatura de 50ºC é uma ameaça constante. A atenção é redobrada. São dois helicópteros com equipes prontas para o resgate. "Alguém acabou de desistir, vai ser resgatado bem aqui na minha frente. Vou lá ver o que aconteceu", conta Clayton.

A desistência dos outros me faz pensar: eu posso ser o próximo a ficar pelo caminho. E o deserto tem habitantes traiçoeiros. “Isso é um dos perigos do deserto. A serpente deu um bote na lente, ainda bem que não foi na minha mão”, diz o repórter.

A etapa de 81 quilômetros serve como uma peneira. Só os mais fortes vão resistir.

Depois de 12 horas de prova, é preciso repor as energias. "O corpo fala: 'para, para, não dá mais pra seguir. E a cabeça fala dá pra ir mais um pouco'".

O acampamento se aproxima. Isso renova as forças e a equipe decide acelerar o passo.
Depois de 16 horas e 58 minutos, a etapa mais longa e difícil é vencida. Comemoração às 2h da madrugada. Fim dos temidos 81 quilômetros.

Mas a festa dura pouco. Os efeitos do esforço logo aparecem. "É um tsunami de acontecimentos. Você fica mal alimentado, desidratado, o sol escaldante do deserto, se esforçando, pensando em passar os postos de controle, não ser desclassificado", diz Clayton.

Clayton está a salvo no acampamento, mas muitos continuam pelo caminho. Exaustos, os bombeiros dos garotos franceses não têm outra opção: dormir ao relento e esperar o dia raiar. A temperatura é de 6ºC. O sofrimento deles só termina às 16h do dia seguinte, um momento de alegria e alívio para todos.

Mas o acampamento parece um cenário de guerra. Uma base de feridos em batalha.Depois de quatro dias correndo à base de comida desidratada Clayton está quatro quilos mais magro. A solidariedade se sobrepõe no deserto. Alberto Ginne, um espanhol companheiro de tenda de Clayton, deixa de lado momentos de descanso para ajudá-lo. Os pés de Clayton parecem o depósito de bolhas de sangue. Alberto sabe o que fazer.

Nestas condições, o repórter parte para a penúltima etapa. Ao todo, 42 quilômetros, uma maratona. Clayton pede para Bernardo seguir em frente sozinho. Seria crueldade demais exigir que ele fosse em um ritmo tão lento. O rei do gelo completa a etapa dos 42 quilômetros entre os 30 primeiros colocados.

Enquanto isso, as dores consomem Conservani. O tempo limite para fazer os 42 quilômetros dessa quinta etapa é de 12 horas. A luta de Clayton era para não ser desclassificado.

Mas ele divide o deserto com quem realmente poderia se lamentar. Encontra Didier Benguigui, o atleta cego, e seu guia fiel. Ele vê de perto a bravura dos bombeiros e dos meninos. São exemplos comoventes, mas ele não se conforma em ficar entre os últimos colocados.

A vontade se renova a cada ultrapassagem. Pela primeira vez na prova, ele se sente mais poderoso do que o deserto. A chegada dos 42 quilômetros é especial, um momento para ser compartilhado.

Alberto Ginne, que curou os pés de Clayton, não esconde a angústia que passou: "Tomara que possa andar, que possa correr, que chegue! Me sentiria um pouco culpado se ele não chegasse. É muita emoção, muita emoção", diz.

O acampamento ganha outro astral. Os 231 dos 246 quilômetros já foram vencidos. As dores continuam e podem até ter piorado, mas quem chegou até ali, dificilmente vai desistir. São os 15 quilômetros finais. A última e mais curta das seis etapas. É uma competição que deixa marcas eternas.

Salameh al Aqra, da Jordânia, é o primeiro o entre os homens. No feminino, vitória da francesa Laurence Klein.

Clayton se sente um campeão, mesmo sendo o 303º na classificação geral. Bernardo é o número 272º entre os 797 atletas que resistiram ao desafio.

"Uma batalha entre a mente e o corpo. E nós conseguimos chegar. Machucados, mas com a sensação de que eu fiz o máximo”, confessa o repórter.

A festa é simples comparada à façanha. São cenas carregadas de emoção. O filho reencontra o pai herói. O corredor completa uma missão especial. Mostra a aliança e finalmente pede a noiva em casamento.

Didier e Gilles, o cego e o guia, mais unidos do que nunca, cruzam a linha de chegada. Foram seis dias e 246 quilômetros de parceria ao extremo.

Falta receber os bombeiros. Dez homens acostumados a salvar vidas diante de uma nova experiência: dar a quatro jovens a chance de conhecer a natureza em estado bruto: de superar um desafio imenso. A maratona do deserto, agora, é uma lembrança positiva.

"Foram seis dias de um esforço extremo. De resistência, de perseverança. E algumas perguntas passaram pela minha cabeça o tempo todo: por que as pessoas desafiam seus limites? Por que se arriscam em um ambiente tão hostil? Por que enfrentam tantas adversidades voluntariamente? Não é por algum prêmio, por algum troféu ou medalha. É pela convicção de que, apesar de tudo, sempre vale a pena seguir em frente. Apesar de todas as dificuldades, não desistir jamais. Foi isso que o deserto ensinou a mim e a essas pessoas. Uma lição para o resto da vida", completa Conservani.

Fonte: g1.com.br/fantastico

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